Embora não tenha nascido em Minas, pra lá fui aos seis meses de idade e, em casa de um bom "mineiro" sempre tem o quê? Exatamente! Tem cachorro. Muitos têm gatos também, mas cachorro, ah! este não pode faltar. É certo que não os criávamos com todo o luxo que são criados hoje, mas viviam bastante e penso que eram felizes.
Hoje não tenho mais um bichinho, moro em apartamento e não me agrada a ideia de conviver com um animal em um espaço tão exíguo, eles precisam de espaço. Tenho planos de morar em uma casa, então, uma das primeiras providências será adotar um cãozinho.
Causa-me profunda tristeza ver um animal desses abandonado, hoje mesmo, ao fazer minha caminhada vi um, carinha triste e deitado à beira da calçada. Neste momente sinto raiva, desculpem-me o desabafo, mas é a verdade. Sinto raiva do ex-dono desse bichinho. Pode até ser que um ou outro escape do quintal assustado com alguma coisa, com fogos, por exemplo, já aconteceu isto com uma cadelinha que tive e até hoje sinto saudade dela, procurei-a pela cidade inteira e não a encontrei. Porém, a maioria dos cães que vemos perambulando pelas ruas, foi abandonada.
Adotar um cão, um gato ou um outro animal é coisa séria. Você e eu sabemos disto, não é? Pois eles vivem bastante tempo e não são um objeto, sentem dor, frio, solidão e fome, por isso é uma atitude muito séria. Não dá para de repente dizer " Não quero mais! " Ah, tem uma atitude pior ainda, soltar o bicho porque ele está dando muito trabalho, ou ainda, o mais terrível, porque ficou doente. Sinceramente, dá para chamar pessoas com este tipo de atitude de seres humanos?
Agora vou tocar num ponto muito delicado, desculpem-me aqueles que assim se comportam, não falo para os ofender, tenho amigos que assim agem. Você sabe do que estou falando? Vá ao meu condomínio; ao alto do São Bento, aqui em Ribeirão e você vai ver pessoas bem intencionadas com uma sacolinha com ração e uma pet com água. Os bichos se reúnem em torno delas numa alegria só.
Vendo a cena parece bonita e digna de louvor, mas aí vai minha pitada de ácido, desculpem-me! Penso que tão culpado quanto quem abandona os animais é aquele que os alimenta nos becos e nas praças. Isto parece cruel, não? Deixe-me concluir, não desista da leitura. Depois, se quiser, escreva-me dando sua bronca. Penso assim porque quem abandona e quem alimenta são elos de uma mesma corrente. Um abandona porque tem quem cuida; outro cuida porque tem quem abandona.
Criticar é fácil, não é? Você me diria. Uma amiga professora ficou profundamente irritada com esta minha tese, mas penso que o caminho para se minimizar esta tragédia do abandono de animais e sua consequente multiplicação pelas ruas passa por algumas atitudes que são necessárias:
1. Um amplo e gratuito programa de castração e atendimento veterinário liderado pelo poder público, penso em viaturas móveis equipada para este fim.
2. Severa punição para aqueles que forem pegos abandonando ou maltratando animais.
3. Um projeto que ensine a cuidar deles e conscientizando para uma adoção responsável, envolvendo, família - mídia - escola.
Enfim, os cães, gatos e outros bichinhos são nossos grandes companheiros, mas não basta boa vontade, é preciso, antes de tudo, razão e vontade política.
Publicação de textos do autor do blog, amigos, de seus alunos e de todos que quiserem nos enviar: crônicas, contos, poemas, artigos de opinião, dentre outros.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Malu, ser ou não ser?
_Você está emocionada, não está?
_ Estou! Mexer nesta pasta e encontrar tantas coisas que me fazem lembrar dela...
Um instante de silêncio se fez, não aprofundei o assunto, a vida tem me ensinado a respeitar as dores alheias, as minhas, às vezes, me machucam muito, e nem sempre encontro um silêncio amigo.
Desde que comecei a lecionar nesta escola tenho ouvido falar sobre ela. Falam com saudade, com doçura. Um aluno desabafou:
_ Professor, como a Malu era legal! Ela sabia dizer a coisa certa, ainda que difícil, sempre conseguia chegar ao ponto sem ferir a gente. Sabe, ela falava com afetividade e a gente não conseguia ficar com raiva dela.
Uma colega confidenciou-me que, ao vir para nossa escola, não se sentia feliz, passava por uma fase muito difícil e não via uma luz no fim do túnel. Mas quando reencontrou a Malu, e ela a recebeu com entusiasmo, dizendo que tudo ia dar certo, que confiasse. “As mudanças são sempre para melhor, embora a princípio, possam parecer uma catástrofe” ficou mais tranqüila, e aos poucos adaptou-se ao novo local de trabalho.
Esther está com uma pasta funcional no colo e eu ao computador. Incumbiram-nos de redigir a biografia da ex-colega. Já havia falecido há alguns anos, mas sua memória estava mais viva do que nunca dentro da escola. Fossem apenas os dados funcionais, onde trabalhou inicialmente, para onde seguiu depois, os cursos que fez, onde nasceu e outras coisas do gênero e certamente estaríamos fazendo mais um trabalho burocrático. Mas sinto que não é só isso, pressinto algo no ar, ela está aqui! Não a conheci, mas tudo o que comentam e a emoção de minha amiga, fazem-me sentir sua respiração, ouço o riso que jamais ouvi, vejo sua imagem, embora jamais a tenha visto.
Seria esta a comprovação de que o bem vale a pena? A repetição do dito popular que afirma: “as mãos que oferecem rosas ficam cheias de perfume”? Não sei dizer, aliás, eu não sei dizer muitas outras coisas, acho melhor não saber mesmo, as palavras muitas das vezes são traiçoeiras e estragam momentos que poderiam ser inesquecíveis, a palavra é um veículo muito rude para o sentimento, tão refinado!
“Professor, aquilo é que era professora. Que carinho, que dedicação, a gente percebia que ela gostava da gente. Quando se aproximava da nossa carteira e explicava algum ponto mais complicado, nós a sentíamos inteira conosco, não só a professora, mas a pessoa, a Dona Malu”. Estas lembranças vão voltando à minha mente, enquanto Esther vai formulando a biografia e eu digitando.
_Sabe, Fabiano, ela era tão desprendida de bens materiais. Se necessário, gastava todo seu salário ajudando as pessoas, pensava primeiro nos outros e aquilo que sobrava usava em seu benefício. Quantas vezes ajudou alunos com dificuldades financeiras!_ diz Esther, como num monólogo. Mantendo a receptividade à sua fala com os olhos a convido a continuar falando.
_Quando ela desconfiava que algum dos seus alunos estava envolvido com a criminalidade ou que enveredara pelos caminhos da droga entristecia-se profundamente e fazia de tudo para ajudá-lo e quando seus esforços não eram bem sucedidos, sofria demais! Acho que pessoas assim estão em extinção.
Enquanto Esther fala, vou recordando o que uma aluna me disse em sala de aula: “ Se o Senhor visse a multidão que apareceu no velório dela! Nunca vi tanto jovem na minha vida, acho que todos os seus alunos foram fazer-lhe uma última homenagem. Não sei porque lembrei-me do enterro do Brás Cubas, o do romance do Machado de Assis, apenas onze pessoas estavam no seu enterro, ele era o protótipo do homem egoísta e a nossa amiga o da mulher solidária, que vivia para os outros.
Enquanto redigimos a biografia da Malu, alguns colegas entram na sala, chegam perto do monitor e dão uma olhada rápida. Um deles sai comentando: “ Eu, hein! Sou é professor, este negócio de mártir, heroísmo, não é comigo. Sou bom profissional, entro em sala e dou minha aula e tchau e bença!” Uma outra se comove: “ Ai, como era boazinha! Eu não consigo ter este desprendimento todo. Não consigo! Isto é privilégio de alguns. Nasceu com o dom.”
Ouvindo estes comentários, tento analisar minha prática pedagógica. Sou muito afetivo, enérgico, quero que tudo saia do meu jeito. Não, não é bem assim! Quando eu comecei achei que podia resolver todos os problemas da educação, mas o dia-a-dia foi me ensinando que a vida não acontece desse jeito! Se o fruto está verde é bobagem querer apanhá-lo, necessário é que amadureça! E tudo tem o seu tempo, não adianta afobação. Com esta visão tenho conseguido ficar mais tranqüilo. Amo o que faço, tenho consciência que lido com pessoas, e isto é muito profundo para mim. Olha, vou dizer-lhe um disparate, acho que sou um pouco Malu. Será que a maioria de nós, educadores, não o somos? Nossa! Olha, estou adjetivando o nome da nossa biografada. Mas ficou interessante, não acha? Ficaria assim: Todos os educadores somos um pouco Malu!
Paramos a redação um pouco, estávamos meio confusos num ponto. Esther perguntou:
_ Não deveríamos colocar no texto que ela fez curso de Literatura Armênia, que era graduada em Português e Latim, que trabalhou na Diretoria regional de Ensino? Afinal estamos fazendo uma biografia.
Enquanto desenvolvia seu raciocínio formulo um conceito e quase a interrompo antes de concluir. Minha mente estava fervilhando. Mal conclui e despejo minha idéia:
É verdade, estamos fazendo uma biografia. Mas pense comigo, Esther, a Malu tornou-se inesquecível não pelos títulos que possuía, mas sim pela pessoa que era e pela maneira como utilizou estes cursos, ou seja, em prol dos outros. Fosse uma Doutora, o que, aliás, hoje é corriqueiro, mas vá lá, façamos de conta que ser mestre e doutor hoje, faz o professor ser melhor na sua prática. Aliás, não podemos afirmar que o Abominável homem das neves não tenha existido realmente. Voltemos à idéia inicial, tivesse ela os títulos que de fato teve e uma dezena de outros, mas não tivesse a disposição interna de servir, de ir ao encontro das pessoas, de acreditar no poder da educação, será que seria tão lembrada como o é até hoje, três anos depois de sua morte?
Minha colega, enquanto falo, acena afirmativamente com a cabeça e percebo que está possuída pela minha idéia e não vê o momento de poder falar. Seu interlocutor é muito loquaz e ela muito paciente. Percebo e passo a bola.
_ Você tem razão, estou há mais de vinte anos no magistério, quantos e quantos professores passaram pela minha vida! A maioria deles realmente só passaram. Lembro-me daqueles com os quais tive alguma relação afetiva e não dos que tinham apenas a capacidade profissional. Sabe, Fabiano, vou mais longe. Quando era criança tive uma professora que se chamava Jacira, eu estava no primeiro ano do antigo primário. Não consigo esquecê-la, tinha os cabelos longos e pretos com tranças. Ela recebeu-me tão bem, com tanto carinho e cheia de delicadezas para comigo! Pra falar a verdade, ela era mais meiga e atenciosa que minha mãe. Olha! Ter tido o prazer de entrar na escola e ser recepcionada pela D. Jacira foi um privilégio que marcou-me pelo resto da vida. Não me lembro se ela ensinava bem, tenho a impressão que sim. E agora contando isto pra você ficou muito claro que ela abriu as portas da escola para mim, e abriu de uma forma tão especial, que por mais que outros professores tenham tentado fechá-las não conseguiram, eu já tinha o segredo da fechadura.
Sorrio para minha amiga e comento:
- Nossa! Que papo mais gostoso, confesso que quando me pediram para ajudá-la nesta tarefa não me empolguei muito, pensei: “Ih! Mais uma chateação.” Mas agora aqui sentando ao seu lado e trocando confidências tão profundas sinto-me muito bem. Mas o que acha de concluirmos a biografia? Estou ficando com fome e já é quase uma da tarde.
Faltam apenas alguns detalhes, concluímos o texto, entregamos para a diretora da escola e nos despedimos. Mas a Malu não saiu da minha cabeça, voltei para casa leve, falar sobre esta figura, mesmo sem tê-la conhecido mexeu comigo. Sempre entreguei-me com paixão àquilo que faço, e ser professor é a minha realização, a minha alegria, a minha razão de ser. Amo o que faço. Às vezes odeio, brigo com todo mundo, grito com um aluno levado, digo pra mim mesmo que não vou levar as coisas tão a sério, que muitos alunos não merecem. Tudo da boca pra fora, no outro dia estou acreditando em tudo de novo. Converso com aquele aluno levado e já esqueci o que aconteceu ontem. Ouço uma música e penso: “Nossa! Que letra legal pra trabalhar com meus alunos, acho que vão gostar. Vou ao banco e pego um punhado de panfletos e digo pra mim mesmo: “ Esta propaganda está ótima pra trabalhar verbos. “Acho que não sou um pouco Malu. Estou certo que sou muito!”
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