segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Animais em campo

Assunto pisado e repisado que deixei dormindo para melhor refletir, a extrema selvageria no jogo entre Atlético Paranaense e Vasco, uma cena definiu para mim o âmago de tudo: um rapaz sendo puxado e espancado tentando sair fora do raio de ação de seus agressores. Sabe aqueles programas sobre animais ferozes rondando e escolhendo a presa mais frágil para isolá-la do bando para depois atacá-la sozinha e a abater? Então, houve alguma diferença entre essa cena e aquela do estádio? No ato em si, não! Na intenção ou motivo sim. Aqueles matam para se alimentarem, esses agridem apenas para libertarem a fera contida que neles reside.
Ouso pensar que violências assim originam no berço e na formação que as crianças, jovens e adolescentes recebem. As conversas que ouvem; o comportamento dos adultos que os tutelam; a tecnologia - excesso de celulares, faces e tal -; a televisão sem medida e toda a porcaria nela contida; algumas categorias esportivas - mma, futebol animal, dentro e fora do campo ( inclusive na cabine e nas câmeras ).
Algumas sugestões: Pegar o filho no colo; acompanhá-lo nas lições escolares; limitar seu tempo de tevê; videogame; internet; incentivá-lo a brincar de carrinho, amarrar um barbante e sair puxando imitando o barulho do motor e a filha a pentear sua boneca; deixá-lo brincar com as crianças do condomínio ou da rua (deixar e não abandonar).
Enfim, faltam amor, presença e envolvimento dos adultos responsáveis. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos precisam de crianças, adolescentes, jovens , adultos e idosos e não, somente, de coisas.
Você talvez diga, não fechou o texto. Concordo, pois não voltei aos animais do futebol. Fiz de propósito, pelo menos no texto não perpetuo esse círculo vicioso.
Adalto Paceli

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O VIGIA


 
no fosso do elevador
no quarto de despejo
no armário embutido
a noite eterna espreita

pelas frestas, o vulto
sob a luz inventada:
é preciso vigiar
as coisas que se furtam

nunca mostram a face
mesmo quando sugerem
como as sandálias
sob a janela aberta -

com o branco dos olhos
vigiar a escuridão
que sustém luz e coisas
e o nada atrás da porta -

não permitir a fuga
ou a invasão: mas vem
a fome e a noite salta
da lata de biscoitos

vem o sono e debaixo
da cama ninguém sabe
(como dentro dos sonhos)
o que, na sombra, se oculta

e nas gavetas vazias
no poço atrás dos olhos
baratas, pensamentos
sem veneno, deslizam

 "O Vigia" faz parte da coletânea "O Corpo no Escuro", primeiro livro do poeta e livreiro na USP Paulo Nunes. O volume será publicado em fevereiro pela Companhia das Letras.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Juó Bananère - Ditadura Militar - Espinho - Mia Couto

O poema postado logo abaixo é de Juó Bananère, por mim desconhecido até ontem, foi sugerido por uma colega, pois estávamos conversando sobre poesia e eu havia dito que um dos meus poemas preferidos é Nel mezzo del camin de Olavo Bilac. Então ela sugeriu-me o poema-paródia Amore co amore si paga, li e gostei e sabem de quem me lembrei? Do Adoniran Barbosa e daquela mistura de português com italiano. Aproveitei e li outros desse poeta  no google. Fica aí uma sugestão divertida e interessante. 
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Li on line, por sugestão da colega Luciana Porfírio, o livro Ditadura Militar e Democracia no Brasil: História, Imagem e Testemunho, organizado por Maria Paula Araújo, Isabel Pimentel da Silva e Desirree dos Reis Santos, um livro curto, com imagens e uma leitura que flui. Gostei porque trata do tema sem paixões e termos complicados, de maneira didática. Agora, alguns depoimentos de perseguidos, exilados e torturados são comoventes. Causou-me espécie este, em particular: "O Estado está agora diante de mim, se curvando e me tratando desse jeito, que coisa linda" No final, o Paulo Abrão (atual Presidente da Comissão de Anistia), de pé leu a sentença, (...) foi quando ele disse que o Estado Brasileiro me pedia perdão, foi quando eu desabei, eu me senti muito recompensada, foi uma coisa muito bonita, mesmo que a gente saiba que, claro, não apagou as coisas do passado, mas você sente que finalmente a cidadania chegou nesse país. ( ...) Foi um momento muito lindo de minha trajetória." (Dulce Pandolfi). Mexeu com você também? Caso se interesse mais pelo assunto, leia o livro.
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Peguei-me pensando sobre nossas dores, em especial aquelas que só quem sente pode avaliar: a perda, o esquecimento, o abandono, a indiferença, a solidão solitária e tantas outras. Não sei por que, mas veio a minha mente a história de Santa Rita de Cássia, mamãe só contava sobre o pedido que a santa fez em oração de ter um dos espinhos da coroa de Cristo para experimentar a dor que Jesus sentiu. Foi atendida, temos que tomar muito cuidado ao pedirmos algo, pode ser que recebamos.Daí surgiu a ideia de escrever o poema Espinho que você pode ler numa das postagens abaixo. Boa leitura!
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Há pouco tempo transcrevi e postei neste blog um poema da escritora cabo-verdiana Vera Duarte e, ganhei por estes dias um livro do escritor moçambicano Mia Couto, não o conhecia e estou muito interessado na leitura. Esse autor bebe em Guimarães Rosa, do qual é admirador, e lança mão de muitos neologismos e expressões poéticas e impactantes, por exemplo, fugir é morrer de um lugar, aborda a questão da bombas terrestres abandonadas e não desativadas depois das inúmeras revoluções e da luta pela independência de Portugal.
Por falar em África, não posso deixar de mencionar  Mandela. Que pessoa maravilhosa! Que coisa linda e emocionante o povo dançando nas ruas em sua homenagem! Um homem que ficou preso injustamente por 27 anos, sofrendo preconceito racial, sair da prisão e, sem ódio, construir a África do Sul de hoje, sem Aparthaid, esse é um líder que ombreia com Gandhi. Tivemos nossos heróis da Ditadura de 64, mas mancharam sua biografia, que pena! Papai dizia Comece e termine bem! Não nos cabe julgar e condenar e sim, esperar que a justiça se faça, sem as perseguições da nossa mídia vendida.
Divaguei, voltando, vale a pena ler Mia Couto.



quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

AMORE CO AMORE SI PAGA

 

 

             Xingue, xisgaste! Vigna afatigada i triste
I triste i afatigado io vigna;
Tu tigna a arma povolada di sogno
I a arma povolada di sogno io tigna.

Ti amê, m'amasti! Bunitigno io éra
I tu tambê era bunitigna;
Tu tigna uma garigna de féra
E io di féra tigna uma garigna.

Una veiz ti begiê a linda mó,
I a migna tambê vucê begió.
Vucê mi apiso nu pé, e io non pisé no da signora.

Moltos abbracio mi deu vucê,
Moltos abbracio io tambê ti dê.
U fóra vucê mi deu, e io tambê ti dê u fóra.


Espinho



Hoje crê no espinho da coroa de Cristo
transformado em chaga na testa de Santa Rita
Ontem sentia algo doer e não sabia o quê
Percebeu aos poucos  indiferença e abandono
virando ferida dentro do peito em seu coração

Pior que o enfrentamento a ausência
Pior que a ausência a presença ausente
Pior que a presença ausente a indiferença

A cara inexpressiva a pergunta sem resposta
O comentário monossilábico entrelábios
O agrado que desagrada contraria.

Rita viu sua chaga crescer malcheirar
a todos afastando e foi melhor se isolar
A flor em carne viva sumiu e saiu
algo por fazer
Voltou e a ferida também

Ele com seu espinho poucos afasta
e não pode se isolar
até isso lhe foi negado
A dor em carne viva nunca sumiu

Tem sempre algo a fazer
nunca  desacompanhado

Adalto Paceli