sábado, 18 de janeiro de 2014

O cântico da terra




Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
 
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
 
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
 
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
 
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
 
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.
 
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.

Cora Coralina
 (Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge. Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1928 muda-se para São Paulo (SP. Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Convivência...Vera Duarte... Tiradentes

Conviver, viver com alguém, com poucos ou muitos, subentende calar-se quando se tem algo a dizer, não dizê-lo por pesar a situação e ver que o momento pede silêncio. Não agir em situações que exigem ação, mas esta significaria rompimento ou complicação maior.
Na convivência há pontos de vista, personalidades se encontrando. Há um outro com ou sem estrutura para
certos aspectos da vida. Há um eu consigo falar e um você que não consegue ouvir.
Estar ou viver só tem suas alegrias e tristezas, mas pode cristalizar um eu exacerbado. Conviver é dividir, exige plasticidade. O que é o certo, o melhor? 
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Mastigo muito a leitura antes de engoli-la, o que me impede de ler muito. Comentei sobre o livro A palavra e os dias da escritora cabo-verdiana Vera Duarte há algum tempo, mas só por estes dias  terminei de lê-lo e confesso, estava com dó de deixar o livro. Impressionou-me sua elegante escrita e algumas belas formas de se expressar no nosso belo idioma. Discorreu sobre família, livros, pátria, amigos, infância e outros caros temas. Escreve como quem fala. É objetiva sem deixar de ser terna. Demonstra conhecimento sem arrogância. Observe este trecho em que Vera retrata o grande poeta de Cabo Verde Amílcar Cabral " Mas houve outras realidades objetivas que não chegou a ver. Por exemplo, as flores de Quitáfine. Porque, sabes, também há flores: só não tivemos tempo de tas is mostrar..."
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Nasci circunstancialmente numa cidadezinha paulista e alguns meses depois já estava em Minas. Cresci em meio a manifestações culturais, Folia de Reis, Cavalhada, Congada... Andava livre pela cidade e arredores, criança e adolescente livre a nadar nos córregos, apanhando frutas nos pés e com uma turma de amigos brincando em frente de casa. Isso e muito mais, lembranças que adormecem e que de vez em quando alguém ou algo vem me chacoalhar e as desperta. Meu último despertador foi uma viagem recente a Tiradentes, meu intento maior era ver as igrejas e monumentos históricos, mas fiquei fascinado com a rotina da cidade. As ruas com carroças, cavaleiros, as vielas, a tranquilidade. O passeio de charrete, a curta viagem até São João Del Rei de maria-fumaça. Os cães por toda parte, soltos e respeitados. Ah, em São João Del Rei visitei o Memorial Tancredo Neves. Fiquei arrepiado, aquele ambiente impõe respeito. Fotos, vídeos, slides, objetos expostos em algumas salas, bem organizados, revelam e relembram o grande homem que foi Tancredo Neves, um político que visava ao bem comum. Político com P maiúsculo, um estadista. O que teria sido  do Brasil se no sistema parlamentarista o tivessem deixado governar como primeiro-ministro de Jango? Outra indagação, esta mais profunda: Eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, se tivesse cumprido seu mandato em vez de José Sarney?
Enfim, revi Minas, revi a mim mesmo.
Adalto Paceli
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