sexta-feira, 20 de agosto de 2021

 Douglas

Íamos e voltávamos juntos a pé, a rua mais longa nesse trajeto era a Francisco Ramos, daqui a pouco contarei uma história engraçada que aconteceu nessa via. Disse que íamos? Sim, eu e o Douglas, meu colega de classe do primeiro ano do antigo colegial.

Certa vez, em sala de aula, por um motivo tão frívolo que nem me recordo qual, discutimos asperamente durante o intervalo, lá pelas nove e meia da noite. É! Trabalhávamos estudávamos! Quando voltamos para as duas últimas aulas, eu estava arrependido, pois exagerei no desentendimento.

Não conseguia me concentrar na aula de química e eu pensava "perdi meu colega que estava se tornando meu amigo, não terei mais a companhia dele nas idas e vindas". Ele sentava à frente e parecia tranquilo fazendo anotações e acompanhando as explicações do professor.

Ah, vou contar o que aconteceu na rua Francisco Ramos. Numa noite o Douglas passou e eu não estava pronto, mamãe avisou e ele seguiu sozinho. Aprontei-me e saí às pressas para ver se ainda o alcançava e vi um vulto que descia pela tal rua a uns 200 metros de distância. Dei um grito para que me esperasse, mas quando fui me aproximando vi que não era o meu amigo, fiquei muito sem jeito e me desculpei com o rapaz que seguiu seu caminho resmungando. Você já passou por isso também?

Mas voltemos à discussão, à sala de aula, à minha angústia? A aula  dupla de química estava terminando e eu pensava "E agora, o que faço? Saio sem dizer nada e vou embora?!" O professor fez a chamada, e nos dispensou. Douglas pegou seu material, saiu lentamente, esperando a sala ficar quase vazia e com um gesto disse pra mim "Vamos!".

Adalto Paceli de Oliveira

segunda-feira, 10 de maio de 2021

 Agosto - Rubem Fonseca

Há muitos, presumo, que em tempos de Internet abandonaram a literatura ou diminuíram sua leitura drasticamente pensando erroneamente que esta os deixaria desinformados, por contar fatos já ocorridos, na maioria das vezes.
Um engano repousa nesse raciocínio, pois só conseguimos ter uma visão menos restrita da realidade em que vivemos, quando tomamos conhecimento do que aconteceu outrora, daí a importância capital da História e da Literatura na formação do cidadão.
Perguntaria você nesse momento, mas... o que tem a ver esse preâmbulo com "Agosto"? Tudo, pois esse Agosto é o de 1954, mês e ano do "suicídio" de Getúlio Vargas.
O Interessante nesse romance de Rubem Fonseca, 1925 - 2020, é que o protagonista não é Getúlio, sim o íntegro Comissário de Polícia Mattos, com uma úlcera constante e dividido entre o amor de duas mulheres.
No mundo político nos deparamos com as famílias encrustadas no poder, um senador cujo filho é governador, um prefeito cujo avô foi um cacique político de seu estado, outro que seu cunhado é o chefe de gabinete... Nesse romance temos o presidente cercado de parentes em cargos públicos indicados ou eleitos, numa época em que campanha e eleição política estavam cercadas de interesses privados com o capital determinando o voto, hoje é muito diferente...
Não vai nesse detalhe tentativa de desabonar a figura de Vargas, sabemos do seu legado aos trabalhadores, é apenas uma das narrativas do romance.
Para não nos alongarmos nessa simples resenha, adiantamos que a maioria dos nomes citados na história desse livro são reais, empresários, políticos, líderes religiosos, dentre outros, e muitos dos acontecimentos são também verídicos, daí sua primeira publicação só em 1990, pois certamente teria sido censurada se publicada à época, outros são recheados de ficção, a exemplo do próprio comissário Mattos e suas relações afetivas e sociais.
Portanto, a leitura desse romance não só nos dá bons momentos de entretenimento, mas também muito conhecimento histórico.
O exemplar que lemos é da Coleção Folha – Grandes Escritores Brasileiros de 2008 - porém, fácil de ser adquirida, inclusive em bons sebos.
Boa leitura!
Adalto Paceli de Oliveira


 

O Rei da Vela – Oswald de Andrade

Certamente muitos que ora nos leem já assistiram a peças de teatro, e ler uma, já leram? Tínhamos um pouco de rejeição, pois pensávamos que seria monótono, mudamos nosso ponto de vista quando nos dispusemos a ler esse gênero literário com os alunos, foi uma experiência excepcional, escolhem o personagem que querem representar e muitos revelam-se artistas.
Óbvio que é diferente ler sozinho a fala de vários personagens, mas é questão de hábito, de repente essa leitura começa a fluir e entramos na trama.
Vejam, eis uma peça de teatro, o autor é Oswald de Andrade 1890 – 1954), e tem por título “O Rei da Vela”, esse tal rei é Abelardo que tem um negócio de fachada, venda de velas, mas na verdade, é um usurário, em palavra de dia de semana, um agiota.
Essa peça é dividida em três atos, com 88 páginas, Coleção Folha – Grandes Escritores Brasileiros. Escrita em 1933 e publicada em 1937, no entanto, encenada somente em 1967, talvez devido à censura, pois o tema é polêmico e incomoda poderosos poderes.
Ao ler parece que estamos diante de fatos que estão acontecendo agora, aí vão algumas “coincidências”: milícias, subserviência ao capital estrangeiro, aos EUA, que beira a servilismo ou neocolonialismo. Família detentora de ilha adquirida à custa de escorchantes juros...
Abelardo e sua família são o mesmo retrato de muitas famílias abastadas de hoje, com suas intrigas, trapaças, exploração e degradação moral, como será o desfecho dessa trama?
Essa temática não é afeita a pessoas que se alienam, pintam um mundo cor de rosa e trancam-se em si ou em seu pequeno círculo familiar, mas desafiamos aos outros a lerem e compararem com o que vivemos hoje, aumentando sua acuidade e senso crítico.

Boa leitura!

Adalto Paceli de Oliveira