quarta-feira, 29 de junho de 2011

Galinha ao molho pardo

Galinha ao molho pardo


     Ela fora bem recomendada, trabalhara em casas de fino trato e nas três cartas de apresentação sobravam elogios à sua fineza e ao trato carinhoso com as crianças. Porém, de tudo, o que sobressaía era sua criatividade.
     A nova patroa estava radiante com a nova contratação e o marido eufórico, pois há muito queria comer uma galinha ao molho pardo “à moda da mamãe”.
     Ester começou naquela mesma tardinha, com a incumbência de fazer a tal galinha  para o jantar. A despensa estava repleta, o patrão salivando, a esposa orgulhosa e as crianças corriam pela sala, mas a pobre Ester tinha um probleminha: não tinha galinha! E, para seu desespero, naquela hora  todo o comércio daquela pequena cidade estava fechado. O jeito era tentar explicar para sua plateia na sala. A patroa, decepcionada e já duvidando da competência da cozinheira pergunta:
     _Não dá para improvisar, querida?
     Assim também está a educação, querem que nós, professores-esters, improvisemos. Fornecem os temperos: alguns computadores, merenda, reforço... mas, não temos a galinha, que tornou-se um detalhe.
     Estamos carentes de pais conscientes e do retorno do imposto que todos pagamos, em forma de efetiva condição, para que nosso aluno possa dedicar-se às tarefas escolares e à leitura, sem precisar submeter-se aos mal remunerados empreguinhos , os “Escravegnagos” da vida e possa ir para a escola com condições de desenvolver plenamente suas potencialidades.
     Enquanto isso, nós, abnegados Esters, continuamos a preparar galinha ao molho pardo sem galinha!

Adalto Paceli

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Navegar é preciso?



De novo comigo,
Andava por aí, desvivendo.
Navegando noutros mares.

Bastam uma onda,
Um gosto diferente do meu sal,
Pra de repente querer voltar.


Voltei novamente pra mim.
Minhas velas estão sem vento.
Nem alegre ... nem triste...


Só em casa, será?
A cada retorno menos volto.
A cada partida menos saio.


Farei outras viagens, eu sei.
Bem mais tarde ou em breve.
É cíclico, sabe?


Idas e voltas nem sempre são
O que parecem ser.
Seriam um constante morrer?

Paceli




sexta-feira, 17 de junho de 2011

Festa de aniversário


Festa de Aniversário

Pio


     Reuníamo-nos sempre e a casa de mamãe ficava repleta de filhos e vizinhos, sentia que ela, apesar do barulho, adorava ver a casa cheia. Os risos, a certa altura da festa, mais soltos que o de costume. As fofocas que não resistiam e saltavam das bocas, inclusive das mais sérias e vigilantes, nada resiste a um bom gole de cerveja.
     Mamãe andava quase que o tempo todo da festa, sentava-se um pouquinho aqui e logo se levantava, era irrequieta por natureza. Lembro-me dos seus olhos que a tudo observava e quase nada deixava escapar, olhos pretos que naquelas ocasiões ficavam brilhantes e às vezes lacrimosos, bastava o som de uma música que evocasse recordações, uma parte de um assunto qualquer que destacava a ingratidão dos filhos e pronto, não se derretia em lágrimas, pois esse não era o seu estilo, mas deixava transparecer uma leve sombra de tristeza, imperceptível para muitos, menos para um filho amoroso.
     Hoje, relembrando aqueles encontros, tenho bem nítidos aqueles olhos, mais nítidos que no momento do olhar, gravei-os no coração e na memória e eles olham para mim como se quisessem dizer mais, muito mais do que disseram outrora e qualquer tentativa de expressão verbal se perderia num labirinto, pois a palavra é o veículo que expressa o sentimento, mas não é capaz de substituí-lo ou explicá-lo.
     Meu irmão mais velho era o encarregado de acender a churrasqueira, minha irmã preparava a carne e eu preocupava-me com a bebida. Mamãe supervisionava tudo. Não tolerava desperdício e sempre tinha uma história pra contar, que invariavelmente terminava com uma lição de moral. Sempre nos ensinou de forma indireta. Os diálogos francos nunca existiram, eram  substituídos por um “causo” que ela jurava ser verídico. Não só contava essas histórias, mas também as dramatizava e com tal convicção que nos hipnotizava a todos.
     Aos poucos tudo foi ficando para trás, a vida é sábia, sabe como nos trazer as dores. Traz, na maioria das vezes, em doses homeopáticas. Quando damos

por nós, temos uma lista enorme de vicissitudes e nos perguntamos: “Como tudo aconteceu?”. Meu irmão foi rareando suas idas à nossa casa, mamãe, a princípio, sofreu demais com  sua ausência, mas teve que acostumar-se, afinal. Mudei-me para outra cidade, casei-me e de minha parte também fui me ausentando da doce casa materna.
     Nas vezes em que nos encontrávamos tudo parecida reviver, nas poucas vezes que meu irmão mais velho esteve conosco reunido chegávamos a esquecer que tudo agora era diferente e uns poucos vizinhos ainda nos prestigiavam com a presença. Pouco a pouco o pano começou a desbotar, até ficar praticamente sem cor. Meu irmão não aparecia mais, minha irmã buscava agarrar-se a um outro mundo, que não o familiar e nos momentos em que tudo isto se consolidava eu nada percebia. A solidão estabeleceu-se em nosso círculo materno.
     Ontem estive com eles, menos meu irmão mais velho. Os olhos de mamãe estavam embaçados, mas ela tirava forças não sei de onde, chegou até a sorrir e fazer planos para o futuro. E eu bebi daqueles planos, saboreei-os como a um delicioso licor. Por um instante voltei ao passado e ele se me mostrou mais colorido do que nunca, até minha irmã desfez-se da sua tristeza crônica e ostentava um demorado sorriso nos lábios. Esqueci-me em um canto, com meus cabelos grisalhos, meu olhar severo e minha pouca fala. Vesti-me daquele que havia sido. Dei gargalhadas, contei histórias. Mamãe contou um dos seus “causos”. De repente alguém grita: “ Acende a churrasqueira! ” .
     Obedecendo a este comando, tantas vezes ouvido e que agora, embora sendo um eco do passado, ressoava mais forte do que nunca. Desci as escadas, abri uma cerveja, minha irmã trouxe o aparelho de som para o quintal, da mesma maneira que fazíamos e, entre um gole e outro, pus-me à prazerosa tarefa de acender o fogo. Minha mãe desceu uma vez as escadas, tentou olhar tudo com enorme interesse e, em seguida, furtivamente subiu de volta. Eu estava tão envolvido pelo momento que pouco ou nada percebi de pronto.



      Minha irmã deixou a carne sobre o tanque de lavar roupas e uma vez acesa a churrasqueira comecei a assá-la. Olhei uma vez para os lados e não vi ninguém, mas o cheiro, a música, o quintal da casa velha, tudo era tão igual...
     Experimentei da carne, deliciosa. Minha irmã desceu uma vez e pegou uns pedaços, colocou num prato e saiu. O disco terminou de tocar. O cachorro parou de latir. Fez-se um longo silêncio e então me percebi. O encanto havia terminado, tudo voltara a ser como antes.
     Apaguei o fogo, tampei tudo, subi as escadas. Mamãe estava deitada, minha irmã tinha saído. Fui conferir a  passagem e arrumar as malas.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Eu? Luto!

A vida continua



Nos passos que hoje segues
Cansados e devagar
Percebo neles ainda
Os céleres que há muito
Pela casa eu vi voar

Mamãe, agora reflita!
Não te deixes desanimar
Pois a vida só termina
Quando Deus achar por bem
À sua morada nos chamar

Se os anos te pesam
E pensas “Por que continuar?”
Lembra que na vida
Muito já tiveste
De bom para contar

Mais que isso, mãe querida,
O sol ainda podes contemplar.
A lua que brilha no céu,
O choro de uma criança,
Continuam a te chamar.

Erga a cabeça e ouça minha voz
Lembra que o motivo da vida é amar.
Teu íntimo cheio de vivências,
Teus filhos, netos, amigos,
Todos te chamam e dizem: “Venha conosco ficar!”


                                                   Adalto Paceli

domingo, 12 de junho de 2011

Crônica

Visita


     Sinceramente, Sérgio gosta deste lugar, por isso sempre volta. Tudo o envolve, a conversa, a casa e o jardim ... Este em especial, as rosas no alto começando a desfolhar e o cheiro da terra que melhora sua respiração.
     Muitas vezes, porém, sai daqui inquieto, um não sei quê de tristeza no ar. Não que Tereza o hostilize, isso de jeito nenhum. Cara boa, fala meiga e toda ouvidos. Só que Eric não é mais o mesmo ... Por onde anda o violão que, com gosto, tirava da capa e mesmo sem jeito tocava? Tocava e cantava.
     O Sérgio? Cantava junto, desafinava, mas cantava, e os dois riam naqueles momentos rápidos e profundos. Isso sem falar do radinho moderno que Eric comprou e mostrava com orgulho, indicando como captava as mais longínquas estações, enquanto brincava com Tereza sobre o preço pago pelo novo brinquedo, dizendo enquanto ria, ter comprado bem baratinho, olhando-a com ar maroto.
     Desta vez, há nos olhos do amigo uma névoa ... Percebida mais intensamente na despedida, ao abrir o portão, quando Sérgio fita Éric. Mas nada diz, nem sempre existem palavras.
     No carro, ouve a gargalhada do amigo, o som do violão e do radinho, mas segue só para casa. Propõe-se escrever um e-mail assim que chegar e logo desiste ... Prefere continuar com a lembrança.
     Quem sabe, da próxima vez tente remexer as calmas águas daquele lago, mas o provável mesmo é que guarde silêncio e não revolva os sentimentos do amigo.

                                                                                                                        Adalto Paceli


quinta-feira, 9 de junho de 2011

Literatura


[Frase final de Memórias Póstumas de Brás Cubas,1881]:
Não tive filhos não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.
Machado de Assis

Bem-Vindo!

     Olá,
     Acabei de criar meu blog, nele pretendo compartilhar alguns textos que escrevi e outros de meus alunos.
     Espero que vocês gostem e  façam seus comentários.
     Grato,
     Adalto.