Um olhar e um sorriso
Quando dou por mim, já estou no carro, correndo como um louco. Sobressalto-me quando um dos jovens que estavam num bar, grita: “Calma, vovô!” Este balde d’água fria arrefece minha febre de amor.Completei sessenta anos há uma semana, filhos, netos, genro e nora vieram, foi meu primeiro aniversário sem Catarina, companheira por 37 anos que o câncer levou.
Agora este novo sentimento tirando-me o juízo. Ela, uma jovem universitária, eu, seu professor de Economia. Devo admitir para minha defesa que resisti bravamente, mas aqueles olhos cor de mel...
“Oi, Léo, aqui! Ponha o carro na vaga de sempre e suba”, grita Marisa da janela do apê. Embora assustado com esta nova situação, sinto-me feliz, há menos de um ano, um velho viúvo que esperava apenas sua aposentadoria, uns chinelos, um pijama e jornal diário na tevê, e agora, fico até meio sem jeito ao confessar: perdidamente apaixonado por uma menina de dezenove anos!
Ela me espera na porta, sinto algo de diferente no ar, não combinamos sair, mas Marisa está bem arrumada. Ouço barulho dentro do apartamento.
_Você está com alguém?
_ Surpresa!
Meu coração acelera, minhas pernas tremem, a jovem percebe minha agitação.
_ Relaxe, venha, entre!
Estou aturdido. E essa agora de surpresa? Até aqui tudo foi secreto, sabe... Namoro meio adolescente. É claro que algumas pessoas desconfiam, mas isto até dá um toque especial na coisa, eu acho.
Entro e vislumbro no fundo da sala uma silhueta feminina.
_Vó Greyce, este é o Leonardo.
Uma simpática senhora se levanta e me estende a mão sorrindo.
Estou sem fala. Ela me olha doce e firmemente à espera de um movimento meu.
_ Prazer, senhora, como vai?
_ Ora, deixe disto, trate-me por Greyce, pode ser?
_Vovó estava ansiosa para conhecê-lo, está cansada de me ouvir falar de você, Léo, ela está dando a maior força pra gente, não é, vó?
Greyce assente com a cabeça e a noite segue maravilhosa, boa conversa e empatia imediata, agora estou relaxado e gostando da surpresa. A avó de Marisa tem um sorriso encantador, ninguém lhe daria os sessenta e sete anos que tem.
_Por que não trouxe o esposo?
_Ah! Sou divorciada há dez anos, moro sozinha num apartamento no Jardim Irajá, conhece?
Não consigo prestar muita atenção no que ela diz. Sei que Marisa está feliz, traz um café e ficamos conversando mais um pouco. Olho pro relógio e não acredito, a hora voou, já é quase meia-noite. Tenho que ir, faço gestos neste sentido, mas Greyce segura levemente meu pulso e diz ao meu ouvido, enquanto meu amorzinho leva as xícaras para a cozinha:
_Deixe seu celular, pode ser?
Pode ser? Não, não pode! Devo estar sonhando. Que nada! Ela aperta mais forte e já está com seu celular pra registrar meu número. Fazer o quê? Passo.
Despeço-me , saio meio zonzo e no caminho vou pensando: ‘Puxa, meu fim evidente era só atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência’. E essa agora?
Preparo-me pra dormir, o celular ilumina o quarto, uma mensagem: “Oi, Leonardo, desculpe-me pela ousadia, sinto pela minha neta, mas você mexeu comigo, me liga?”
E agora? Reviro na cama e fico pensando: Olhos cor de mel ou sorriso encantador?
Adalto Paceli