Relutei em voltar a vê-lo, mamãe se foi há pouco mais de um ano e não me sentia com estrutura para o rever assim. Mas ele é meu vizinho, sempre simpático comigo, não era correto afastar-me, então fui no susto.
Voltava pro meu apartamento, decidi nem abrir minha porta e bati direto na dele. Sua mulher atendeu-me sorridente, acho que ela já desconfiava dessa minha 'covardia', pois sempre que a encontrava perguntava por ele e D. Cândida respondia prontamente "como Deus quer!". Convidou-me para entrar, ele estava na cama vendo tevê e acolheu-me com um sorriso, indicando-me uma cadeira.
Emagrecera bastante, mas estava lúcido e bem disposto, aos poucos meu medo passou e começamos a conversar, falou um pouco de quase tudo. Resolvidos os problemas do país, com o coração aliviado me despedi com a sensação de dever cumprido. A certa altura da vida, não nos é permitido escolher as situações que queremos vivenciar, como o jovens fazem e pensam que poderão fazê-lo pelo resto da vida.
Alguns dias depois, conversando com um outro vizinho, comentei sobre a minha visita ao Sr. Eurípedes, ao que aquele comentou "Ele está cumprindo sua última etapa, prefiro deixá-lo com os seus". Na verdade, estava com medo também, só que junto acrescentou a indiferença, o pior dos sentimentos.
Sem falsa moral, refleti muito sobre tudo isso e veio-me à lembrança o Sermão da Montanha, quando Jesus disse "Estive doente e me visitaste." À noite, pus minha cabeça no travesseiro e dormi tranquilamente, convicto de que, como escreveu Adélia Prado num dos seus maravilhosos poemas " A coisa mais fina do mundo é o sentimento".
Adalto Paceli