sábado, 30 de junho de 2012

Meu vizinho está de cama


     Relutei em voltar a vê-lo, mamãe se foi há pouco mais de um ano e não me sentia com estrutura para o rever assim. Mas ele é meu vizinho, sempre  simpático comigo, não era correto afastar-me, então fui no susto.
     Voltava pro meu apartamento, decidi nem abrir minha porta e bati direto na dele. Sua mulher atendeu-me sorridente, acho que ela já desconfiava dessa minha 'covardia', pois sempre que a encontrava perguntava por ele e D. Cândida respondia prontamente "como Deus quer!". Convidou-me para entrar, ele estava na cama vendo tevê e acolheu-me com um sorriso, indicando-me uma cadeira.
     Emagrecera bastante, mas estava lúcido e bem disposto, aos poucos meu medo passou e começamos a conversar, falou um pouco de quase tudo. Resolvidos os problemas do país, com o coração aliviado me despedi com a sensação de dever cumprido. A certa altura da vida, não nos é permitido escolher as situações que queremos vivenciar, como o jovens fazem e pensam que poderão fazê-lo pelo resto da vida.
     Alguns dias depois, conversando com um outro vizinho, comentei sobre a minha visita ao Sr. Eurípedes, ao que aquele comentou "Ele está cumprindo sua última etapa, prefiro deixá-lo com os seus". Na verdade, estava com medo também, só que junto acrescentou a indiferença, o pior dos sentimentos.
     Sem falsa moral, refleti muito sobre tudo isso e veio-me à lembrança o Sermão da Montanha, quando Jesus disse "Estive doente e me visitaste." À noite, pus minha cabeça no travesseiro e dormi tranquilamente, convicto de que, como escreveu Adélia Prado num dos seus maravilhosos poemas " A coisa mais fina do mundo é o sentimento".

Adalto Paceli

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Foi assim

                                   

Nasci, de repente desperto,
olho tudo e não me vejo.
Ainda assim uma voz me diz
“já existes, mas calma!” 

Cara risonha, mamãe.
papai calado, não sorri.
Tento chamá-lo pra mim,
mas, absorto sai de mansinho.

 Deus! Por que é assim?
Eu, a humanidade, sozinho,
havendo  vozes e risos
e nos momentos tristes ninguém? 

Se me sabes frágil
e ainda assim me quiseste
e neste instante difícil
tens de partir? 

Vindas e idas,
idas e vindas.
Semiconstrução.
Desejo de integralidade.

Adalto Paceli







 

                                                                                                                


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Nel Mezzo Del Camin


Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada

E triste, e triste e fatigado eu vinha

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha...



E paramos de súbito na estrada

Da vida: longos anos, presa à minha

A tua mão, a vista deslumbrada

Tive da luz que teu olhar continha..



Hoje, segues de novo... Na partida

Nem o pranto os teus olhos umedece,

Nem te comove a dor da despedida.



E eu, solitário, volto a face, e tremo,

Vendo teu vulto que desaparece

Na extrema curva do cominho extremo.





                                                               Olavo Bilac.






sábado, 23 de junho de 2012

A COLERA DIVINA


                                Quando fui ferida,
Por Deus, pelo diabo, ou por mim mesma,
_ ainda não sei _
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
Só estes passarinhos,
Estas folhinhas bastavam
Para eu cantar louvores,
Dedicar óperas ao rei.
Mas um cachorro batido
Demora um pouco a latir,
A festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente-
tanto mais eu que posso perguntar:
por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
Uma tênue sombra ainda cobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.

Adélia Prado











                                                 

terça-feira, 19 de junho de 2012

A última visita


     Estava melhor, tão melhor que telefonou a ele, pedindo que fosse vê-la. Lutando contra a doença, ela dizia que teria alta em breve, queria marcar uma viagem, repetir, tanto tempo depois, o roteiro que haviam feito com o deslumbramento do amor recente: Roma, Florença, Veneza, Verona, Milão, Paris e Lisboa.
     Muitas águas e luas haviam passado, fizeram outras viagens, separaram-se, ela adoecera e agora queria reviver aquelas cidades nos mesmos hotéis, freqüentando os mesmo restaurantes, a Taberna Ulpia, em Roma, ela nem sabia que a taberna fora fechada pela polícia, ali se consumia cocaína. Inocentemente eles fora lá, tão atentos em si mesmos que nem repararam, dançaram o samba do Orfeu na pista, os outros perceberam que dançavam bem, deixaram a pista livre, depois aplaudiram.
     Tudo ficara para trás, nem lembranças boas eram, a realidade apagara uma parte, destacara outra e ela ficara doente e agora exigia que fosse vê-la, já fizera as reservas na mesma agência, mandara a irmã pagar a entrada, depois discutiriam o resto.
     Ele foi. Achou a magnífica, como nos melhores tempos. A lucidez formidável dos que dizem adeus. Ficou surpreso, não sabia dos planos dela, como dizer que tudo aquilo seria impossível?
     Nisso, entrou a enfermeira no quarto. Só então ele reparou que, na banqueta da parede maior, havia vidrinhos de remédio, uma mini- farmácia para as emergências. A enfermeira percebeu que ele se assustou e olhou-o de tal forma que ele compreendeu.
     Então, disse que sim, toparia aquilo tudo, a viagem, o roteiro, a vida. Vida que ela insistia em viver.

     Dois dias depois, ele remexia em velhos papéis, recordações de Veneza, Florença e Verona, as duas entradas para os Uffizi, a conta do Dodici Apostoli, de Verona, o perfumado “risotto al funghi del Bosco”. O telefone toca. A irmã avisou: tudo acabara para ela. Só não sabia que acabara também para ele.


Carlos Heitor Cony

segunda-feira, 18 de junho de 2012


INDICAÇÃO DE FILME:

O Primeiro Amor

  • Filme / Romance
  • Nome Original:  Flipped
  • Direção:  Rob Reiner
  • Elenco:  Madeline Carroll, Rebecca De Mornay, Anthony Edwards, John Mahoney, John Mahoney, Penelope Ann Miller
  • País:  EUA
  • Ano: 2010
  • Duração:  90 min
  • Cor:  Colorido
  • Som:  Stereo, Dolby
  • Classificação:  Programa permitido para menores acompanhados dos pais
Dois estudantes do oitavo ano começam a gostar um do outro apesar de serem totalmente opostos. Baseado no livro "Flipped", de Wendelin Van Draanen.

Comecei a assistir e não consegui parar.
Um abraço,

Professor Adalto.

domingo, 17 de junho de 2012

Comparação



És tão bela quanto um rubi
que se guarda no cofre do coração.
És o anjo que cairá
pra me salvar dessa perdição.
És a flor, que ao primeiro olhar
tornou - se a pura flor,
única em meu jardim,
tão bela quanto todas as flores desse mundo.
És tu, a bela dama de minha vida,
uma princesa a me olhar!
Luís Fernando.



quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Adeus de Teresa





A vez primeira que eu fitei Teresa
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos...  e depois na sala
“Adeus!” eu  disse-lhe a tremer co’a fala...
E ela, chorando, murmurou-me: “adeus”.

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavalheiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
“Adeus!” lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”

Passaram tempos... séc’los de delírio,
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
...Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse __”Voltarei!... descansa!...”
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”

Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d’Ëla e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!...Ela me olhou branca...surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”

Castro Alves

terça-feira, 12 de junho de 2012

Pai


Meu pai não era papai.
Pegou-me no colo
Queimou meu peito
Com o cigarro de palha.
Ah! Deixe-me ver a marca...
Ih, O tempo apagou!
Riu-se a valer,
O que era raro,
Quando eu disse
Descobri uma nova rádio
no seu rádio!
Quis dormir junto com mamãe.
Ele estava em casa.
Disse, sai pra lá, bundudo.

Olhei pra trás, magoado...
Ainda olho aquele olhar...
Doutra feita, já moço:
Pai, esta garrafa não esquenta.
Claro, garrafa não esquenta,
Conserva.
Conservei estas lembranças.
Meu pai não era papai,
Mas era meu pai.
Adalto Paceli










segunda-feira, 11 de junho de 2012

De olho na telinha

     Fui ao médico e como bom paciente, esperava. Nisto entrou uma jovem senhora acompanhada por um adolescente. Ela, simpática cumprimentou-me, mas o jovem de olhos fixos no celular sentou-se e digitava alguma coisa com extrema rapidez.
      Não prestou a mínima atenção ao que estava à sua volta, nem se deu ao trabalho de olhar para a recepcionista, continuva hipnotizado pelo aparelhinho. Depois de algum tempo, a mãe resolveu tomar um cafezinho, porém ao voltar e experimentá-lo, já no seu lugar, percebeu que  estava sem açúcar. Pediu ao moço do celular, seu filho autômato, que pegasse o açúcar.
     Ouviu um sonoro "Não, pega você!" e continuou a teclar aceleradamente. Dava a impressão que se ele deixasse de fazer aquilo teria um ataque, talvez uma tremenda falta de ar. Embora já venha percebendo este exagero com as novas tecnologias, aquilo me chocou. O consultório era bem mobiliado, alguns quadros, uma secretária educadíssima, no entanto, o jovem nada daquilo reparou, ficou alienado o tempo todo. Já fui voluntário em um sanatório e  vi alguns internos interagirem mais que muitos jovens de hoje em dia.
     Gosto da tecnologia, admiro alguém que sabe jogar vídeogame, que tem facilidade para navegar na internet ou que manda mensagens no celular com rapidez, mas penso que a tecnologia é uma ferramenta, que o conhecimento e o prazer de viver não estão resumidos em alguns eletrônicos. Falta bom senso, mas como nossa juventude vai aprender a lidar com sabedoria com as mídias, se seus pais não colocam limites, não têm tempo para ensiná-los ou para interagir com eles?
     Ouvi de um economista que administrar dinheiro dá trabalho, você tem que estar sempre atento ao melhor investimento,  conversar com seu gerente e estar por dentro dos índices de rendimento. Se nesta parte material temos de estar atentos, devemos nos envolver infinitamente mais com nossos jovens para que eles saiam do seu autismo tecnológico e voltem para a vida real. A vida do papo com os pais e os amigos, tomar um sorvete na praça, montar um quebra-cabeça com  o irmãozinho caçula, entre outras coisas.
     No entanto, enquanto não houver uma mudança de padigmas, a partir da família, a  tendência é um isolamento cada vez maior, que trará a solidão e o individualismo.
     Um abraço,
     Adalto Paceli

domingo, 3 de junho de 2012

Trova e medalha



     Ontem acompanhei o Pedro e sua mãe, ele recebeu uma medalha no Palace no Concurso de Trovas, não fosse a esquisitisse do começo, com a entrega dos prêmios para a categoria adulto, pois na falta de participantes, os organizadores e apresentadores da entrega ficaram trocando medalhas, trofeus e diplomas entre si, provocando o espanto da plateia, teria sido perfeito.
     Deixemos de lado esse incidente, o importante foi a alegria da D. Elaine e de seu filho Pedro, meu aluno do 6º ano, ficaram atentos a tudo e quando o nome dele foi dito, fomos os três à frente. Recebeu uma linda medalha em que vinha cunhada sua trova e um belo diploma de participação, com direito a foto tirada pela mãe e leitura de seu poema.
     Antes da entrega conversei com D. Elaine e sensibilizou-me o carinho e equilíbrio com que criam, ela e seu marido, aquele garoto. Alías, é um dos que mais se destacam em sala, ficando assim patente que um dos nós da educação é a terceirização ou não envolvimento dos pais na educação de seus filhos e que, em vez do governo e da sociedade culparem somente a escola pelo baixo nível da educação, olharem também para as famílias e responsabilizá-las, colocando-as como parte essencial no processo.
     Voltando à premiação, ficamos imensamente felizes, os pais e eu por vermos que nossos esforços estão fruticando e o Pedro, que viveu momentos de felicidade, por ver reconhecidos o seu trabalho e sua dedicação.
     Um abraço,

     Adalto Paceli

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ariano Goulart e Ferreira Suassuna

Pensou que  tivesse confundido os nomes? Foi só uma estratégia para atrai-lo. Aliás, a não ser pela idade e preciosidade da arte, nada mais têm em comum. Vi-os no Teatro Pedro II durante a Feira do Livro de Ribeirão Preto.
Ariano Suassuna, um inconformado com a "baixaria" nas artes, em especial na música, não se cansou de citar a banda Calipso e a Lady Gaga como exemplos. Já Ferreira Goulart, tem como mote que nada é definitivo, que estamos em constante mudança e que tudo o que existe é fruto da imaginação.
É evidente que só consigo dar uma pálida ideia do que falaram, mas impressionou-me a garra e a vitalidade de ambos, o brilho nos olhos que indica projetos em mente. A postura de quem sabe que é mestre, mas dialoga, vai ao encontro dos outros, não se isola.
Aqui lembro de uma entrevista do José Bonifácio, o famoso ex-diretor da Globo, que enfatizou  em uma de suas respostas que é importante não se encastelar, que devemos conviver, trocar ideia e afeto. Concordo, estar com aqueles que gostamos nos revigora.
Um abraço,
Adalto Paceli.